quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Questões de loucura

Alguém levantou a questão da loucura

Assim como que se de quando em vez as coisas não fossem o que são

Tinha decidido não ceder a ninguém

Nem aos amigos

Tornas-te impossível

Ninguém gosta de ti

E seria bom que gostassem de um outro eu acomodado a um fim à vista?

E o que é bom?

E o que é gostar?

Ah! Estar comigo a trocar impressões ligeiras como o fumo dos cigarros?

Contar e recontar episódios engraçados?

(quem conta um conto acrescenta-lhe um ponto)

Ignorar que lá fora um mundo sofre?

É verdade que o campeonato este ano está mais equilibrado

E que a mãe do Ronaldo parece que não gosta da Irina

O que traz o rapaz triste e magoado

E como estão as famílias destroçadas no Iraque?

Não é de bom-tom pensar num país destes

Mesmo se todos nós a certa altura nascemos na Mesopotâmia

E as mulheres no Afeganistão?

Imolam-se pelo fogo

Nem aparecem nos jornais

(lembro sempre a minha querida afegã depois assassinada por bárbaros animais silenciosos)

Religiosos?

E todas as segundas e terceiras mulheres que no Egipto pertencem aos maridos endinheirados? E as primeiras?

E o Darfur?

Passou à história já não há pachorra para essas novidades

Uma menina morreu aos olhos de vários adultos que assistiram impávidos e serenos à sua agonia

Na China um estrangeiro deu por isso e foi notícia

Em todo o mundo também fecham os olhos às agonias famélicas de milhões de crianças

(os seios secos das mães no meio de enxames de moscas nas suas andanças)

Morrem homens escravos de lutas desiguais e ninguém quer saber porque são homens

(como se na sua beligerância inata a morte fosse apenas o reverso da medalha dos seus desejos impuros dizem alguns)

Os fotógrafos do acaso desviam as objectivas com pudor?

Nem isso

As objectivas não sofrem dessa indecisão

Essas imagens já não se vendem para os jornais e não cabem na televisão

(a comunicação está toda privatizada e só saberemos o que os donos quiserem e com a intensidade que for julgada conveniente pelas centrais do condicionamento mental)

O mundo está todo privatizado

Tudo o que pensamos que nos pertence está sendo gerido para o bem privado de alguém

(mais dia menos dia tudo passará para as mãos dos que não têm mãos para trabalhar)

Em breve não teremos bens comuns há que comprar um quintal e plantar batatas e couves e talvez apanhar um coelho ou lebre que passe por ali a ruminar

Ou morrer

(antes atropelado do que de fome sempre é mais moderno)

É verdade

Parece-me que estou no limiar de uma espécie de loucura

E a lucidez?

É perceber mais do que nos dizem?

É ver o que não se vê à vista desarmada?

É elaborar?

Sofres porque te deixaste invadir por ideais

(não sabias que todas essas ideias maravilhosas eram apenas extractos das literaturas mundiais)

Estás mas é deprimido

Vai ao médico

(garanto-te que a indústria farmacêutica tem remédio para isso tudo)

Pobre ente sisudo

Esquece

Vegeta

Finge que não estás só

E que a ressurreição é garantida

Num mundo melhor

Sempre melhor

Ou que existe paraíso como nos livros mais profícuos

Te prometem

Adormece

Sonha com um jardim suspenso

Com um viver espesso e denso

(só acordarás a meio da noite escura de breu e apenas ouvirás sons inusitados e ruídos de chuva caindo sobre os campos de trigo que os sem-abrigo têm casas de cartão estão muito bem protegidos os sem-abrigo)

Adia todos os pensamentos para depois do pequeno-almoço

(não esquecer o sumo de laranja que é uma rotina saudável)

E depois

Ocupa-te a pensar no que vais almoçar

(preferia sentar-me à mesa com tudo feito por amor)

Mas o que é o amor?

É agora que começa essa espécie de loucura

De que alguém falou

Os ventos onde habito não ajudam à procura

Mas é aí que meio alucinado

Penso que estou








terça-feira, 4 de outubro de 2011

Laranjeira em flor

Tinhas-me pedido uma flor

Que te beijasse o ventre

Que te acalmasse a dor

Como as flores o fazem sempre

Mas a flor que em mim nasceu

Tinha mais

Das pétalas saiu a borboleta

Que te enleou os seios

De princesa caçoleta

O caule erecto

Agora bem vivo e quente

Soltava gotas de orvalho

Pela noite dentro

E mesmo os espinhos

Que ferem sempre

Se deixaram arredondar

À tua frente

E ficaram tocando

Sem pudor

Recônditos suspiros de encantar

Era já o fim da madrugada

As estrelas recolhiam para sonhar

E a flor talvez cansada

Ensaiou uma última canção

Repousou na tua mão

E nesse recolher

De flor intensa

Murmurou ainda

Uma palavra densa

Que te adormeceu no teu torpor

Falando ou sonhando

Disse claramente

Bendita vida meu bendito amor

Pensas

Pensas
E o que é pensar?
Pensar é a maneira de se chegar a uma intermédia conclusão
Colocas palavras
Sobre um qualquer fogo
Atiças com tesão
E esperas que se alinhem e te digam
De sua justiça
Ou talvez não