terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Tempo de reflexão (enquanto ouvia o Requiem de Mozart também inacabado)

Há um tempo em que tudo parece insólito inacabado
E no entanto a memória transborda
De acontecimentos
Alguns fictícios
Outros apenas interpretações que por serem pessoais
Não representam toda a verdade
Ou simplesmente a verdade
Pensa que se dedica à fotografia para esconder a angústia que o assola
Enquanto o tempo passa
O tempo passa?
E o que é o tempo?
Apenas reconhece o bater do coração
Um batimento anterior ao outro
Entre eles
Tempo
Apercebe-se que vive num sistema de eixos a três dimensões
Trajectórias
Curvas
Ondulações
Desejos orientadores
Satisfações que se desfazem como ondas junto à praia
Perdeu muito tempo a indagar sobre muitos acontecimentos que não tinham nenhuma importância para a sua vida
Apenas toda a gente perguntava pelos mesmos
Obcecadamente
Levou tempo a perceber que devia abandonar o que os outros diziam que pensavam
Não estava aqui para esclarecer nada de nada
Não tinha nenhuma missão
A certa altura da sua existência podia ter enlouquecido
Tentando encontrar um motivo
Para o acordar cada manhã
Sem se lembrar do que tinha feito no dia anterior
(antes de adormecer entenda-se)
Dialogava com sonhos por vezes aterradores
Afundava-se
Via-se como um barco de papel à deriva
Vento soprava de um recanto
Era conduzido sem destino conhecido
Como se o percurso fosse o destino
Nada está determinado
Tudo o que acontece pode não acontecer
E se não houver espectadores
Podes dizer que não aconteceu que não é mentira
Mentira é quando todos vêem
Se convenceres alguns assistentes de que aquilo não aconteceu
Não mentes
É tudo uma extravagante imaginação
E depois nada disso tem importância
O importante é respirar
Comer
E as outras coisas que nos dão prazer
Rostos que se contorcem como garantia de que existes
Amo-te
Eu também
Queria que fosses minha
Voa voa minha bela andorinha
Por estas e por outras é que resolve ouvir o Requiem de Mozart
Saibam que na minha não ingerência no mundo dos que acreditam em deus
É este o meu Requiem preferido
Só para vos levantar o moral
Afinal estarão pensando que outro dia
Outra noite
Será a vossa vez
Estamos todos (mas todos)
No mesmo barco de papel
(Agora percebo porque o barco de papel se insinua nas minhas manhãs desérticas)
Hoje
Olho um livro inacabado
E adormeço
Num instante
Num breve instante
Sei que o Requiem continuará a tocar
E a fazer-se ouvir nas ondas do éter
Adoro dormir com música em fundo
Alimento o meu outro eu
O eterno
E preparo-o para a triste realidade
De que também ele
O eterno
Afinal
É efémero como a flor