domingo, 4 de dezembro de 2011

Espelho

Espelho iluminado

Do negro dos teus cabelos

A custo o branco acinzentado que respiro

Se vislumbra

Ficaste plasmada no vídeo

Desta penumbra

O negro dos teus cabelos

Que me afunda

Em dias sem princípio e noites sem fim

E o amor de que falam

É assim?

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Saudade

Respiro essa mistura transparente
Que ficou dando guarida aos meus sonhos
Esqueço a morte de que não gostas de ouvir falar
Viajo entre a noite e o dia
(passou a noite nenhuma ave me encantou
Passou o dia nenhuma luz me siderou)
Saudade
E o que é a saudade?
O que grita com as lágrimas?
O que ri a bandeiras despregadas em espasmos de paixão?
A chuva e nós abrigados desta imensidão?
Jarras sem flores à tua espera?
Desejo do paraíso onde perdemos a razão?
Regresso a um ponto comum no universo?
Os dois de novo
(dá-me a tua mão andemos mais devagar quero saborear gota a gota este silêncio de encantar)
Sim
Esta forma de amar
Esta ideia de viver
Sem solidão

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Um desejo inesquecível de amar

Porque há um desejo inesquecível de amar

Mesmo quando o sol se esconde

E aos nossos olhos nada se insinua

Porque apenas vislumbramos sinais do Outono

Na cidade silenciosa e nas suas flores hesitantes

Terreiros de folhas amarelas e húmidas

Nas árvores o vermelho que engrandece o entardecer

Porque cai o dia

Com seus ruídos sonantes

E cresce em mim

O desejo de te reencontrar

Numa praia

De areia sonora

As ondas iam e vinham

Posavas para as fotografias que não querias

Mas havia no ar uma aragem de felicidade

Porque colada ao sol da antiga puberdade

Eras mais que um sonho

Nos meus braços

Existias

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Questões de loucura

Alguém levantou a questão da loucura

Assim como que se de quando em vez as coisas não fossem o que são

Tinha decidido não ceder a ninguém

Nem aos amigos

Tornas-te impossível

Ninguém gosta de ti

E seria bom que gostassem de um outro eu acomodado a um fim à vista?

E o que é bom?

E o que é gostar?

Ah! Estar comigo a trocar impressões ligeiras como o fumo dos cigarros?

Contar e recontar episódios engraçados?

(quem conta um conto acrescenta-lhe um ponto)

Ignorar que lá fora um mundo sofre?

É verdade que o campeonato este ano está mais equilibrado

E que a mãe do Ronaldo parece que não gosta da Irina

O que traz o rapaz triste e magoado

E como estão as famílias destroçadas no Iraque?

Não é de bom-tom pensar num país destes

Mesmo se todos nós a certa altura nascemos na Mesopotâmia

E as mulheres no Afeganistão?

Imolam-se pelo fogo

Nem aparecem nos jornais

(lembro sempre a minha querida afegã depois assassinada por bárbaros animais silenciosos)

Religiosos?

E todas as segundas e terceiras mulheres que no Egipto pertencem aos maridos endinheirados? E as primeiras?

E o Darfur?

Passou à história já não há pachorra para essas novidades

Uma menina morreu aos olhos de vários adultos que assistiram impávidos e serenos à sua agonia

Na China um estrangeiro deu por isso e foi notícia

Em todo o mundo também fecham os olhos às agonias famélicas de milhões de crianças

(os seios secos das mães no meio de enxames de moscas nas suas andanças)

Morrem homens escravos de lutas desiguais e ninguém quer saber porque são homens

(como se na sua beligerância inata a morte fosse apenas o reverso da medalha dos seus desejos impuros dizem alguns)

Os fotógrafos do acaso desviam as objectivas com pudor?

Nem isso

As objectivas não sofrem dessa indecisão

Essas imagens já não se vendem para os jornais e não cabem na televisão

(a comunicação está toda privatizada e só saberemos o que os donos quiserem e com a intensidade que for julgada conveniente pelas centrais do condicionamento mental)

O mundo está todo privatizado

Tudo o que pensamos que nos pertence está sendo gerido para o bem privado de alguém

(mais dia menos dia tudo passará para as mãos dos que não têm mãos para trabalhar)

Em breve não teremos bens comuns há que comprar um quintal e plantar batatas e couves e talvez apanhar um coelho ou lebre que passe por ali a ruminar

Ou morrer

(antes atropelado do que de fome sempre é mais moderno)

É verdade

Parece-me que estou no limiar de uma espécie de loucura

E a lucidez?

É perceber mais do que nos dizem?

É ver o que não se vê à vista desarmada?

É elaborar?

Sofres porque te deixaste invadir por ideais

(não sabias que todas essas ideias maravilhosas eram apenas extractos das literaturas mundiais)

Estás mas é deprimido

Vai ao médico

(garanto-te que a indústria farmacêutica tem remédio para isso tudo)

Pobre ente sisudo

Esquece

Vegeta

Finge que não estás só

E que a ressurreição é garantida

Num mundo melhor

Sempre melhor

Ou que existe paraíso como nos livros mais profícuos

Te prometem

Adormece

Sonha com um jardim suspenso

Com um viver espesso e denso

(só acordarás a meio da noite escura de breu e apenas ouvirás sons inusitados e ruídos de chuva caindo sobre os campos de trigo que os sem-abrigo têm casas de cartão estão muito bem protegidos os sem-abrigo)

Adia todos os pensamentos para depois do pequeno-almoço

(não esquecer o sumo de laranja que é uma rotina saudável)

E depois

Ocupa-te a pensar no que vais almoçar

(preferia sentar-me à mesa com tudo feito por amor)

Mas o que é o amor?

É agora que começa essa espécie de loucura

De que alguém falou

Os ventos onde habito não ajudam à procura

Mas é aí que meio alucinado

Penso que estou








terça-feira, 4 de outubro de 2011

Laranjeira em flor

Tinhas-me pedido uma flor

Que te beijasse o ventre

Que te acalmasse a dor

Como as flores o fazem sempre

Mas a flor que em mim nasceu

Tinha mais

Das pétalas saiu a borboleta

Que te enleou os seios

De princesa caçoleta

O caule erecto

Agora bem vivo e quente

Soltava gotas de orvalho

Pela noite dentro

E mesmo os espinhos

Que ferem sempre

Se deixaram arredondar

À tua frente

E ficaram tocando

Sem pudor

Recônditos suspiros de encantar

Era já o fim da madrugada

As estrelas recolhiam para sonhar

E a flor talvez cansada

Ensaiou uma última canção

Repousou na tua mão

E nesse recolher

De flor intensa

Murmurou ainda

Uma palavra densa

Que te adormeceu no teu torpor

Falando ou sonhando

Disse claramente

Bendita vida meu bendito amor

Pensas

Pensas
E o que é pensar?
Pensar é a maneira de se chegar a uma intermédia conclusão
Colocas palavras
Sobre um qualquer fogo
Atiças com tesão
E esperas que se alinhem e te digam
De sua justiça
Ou talvez não

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Nós não somos o centro de nada

Nós não somos o centro de nada
Vivemos em sítios esconsos
Onde suspiramos para sermos ouvidos
Por aqueles que nos amam
Estamos na margem de um grande rio
Que corre aos nossos olhos
Vislumbramos destroços e escolhos
E nada podemos fazer
Deixamos correr
A água
De onde nasce a bruta energia
E a espuma
É afinal
O símbolo parco
Do nosso dia

O segredo


Em cada dia teremos que olhar a lua
Em cada noite serás minha e tua
Os poros do dia abertos
Para a nossa natureza
Olhos nos olhos em cada hora
Modelando a nossa certeza
Vais ser o vulto de cada anoitecer
Paciente
A certeza do amor
Para sempre
Vou ser uma estrela na manhã
Presente
A certeza de te ter
Até morrer
Serei eu e teu
Serás minha e tu
Segredo de um equilíbrio
Perene
Viveremos assim
A última oportunidade
Em cada gene

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

A maquinação das palavras

Palavras

Que escrevo

À procura do texto

Com enlevo

Para que a música se faça ouvir

Ou que a ideia

Me dê outra vontade de sorrir

Espalho as palavras na folha de papel

(este exercício não é possível no automatismo estéril do computador)

Depois

Toco a reunir

Agrupo-as por sabor

Numa linearidade curva

Ou na triangulação

Do quadrado

O pentaedro pergunta-me

O que faço aqui

Neste plano confuso a que não pertenço?

Respondo-lhe

Afagando os seus limites

As linhas são só

Para que tu existas

São apenas um material de construção

As vidas sim

São feitas no espaço

Lá onde dizem que o Infinito existe

Mesmo se sonhas que é na tua imaginação

Queria tocar-te por dentro

E todo o meu esforço é inglório

Penso com denodo nesse limite

Que só um monstro pode atingir

Quando caio em mim

Volto a escrever as palavras

E peço-lhes

Que se movam para eu sentir

Que se agarram umas às outras

Aqui costumo sorrir

E voltar ao princípio

Da mesma maquinação

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Quero ser amotinado

Quero ser amotinado
Nesta viagem terminal
Quero ser o timoneiro
E conduzir-me até Baal
Quero ser de peito aberto
Aquele que não vê o mal
Quero ser o gesto certo
Que enfrente o momento fatal
Não imploro nem peço
Piedade amor ou processo
Mergulharei naquela sorte
Como um valente ante a morte
Que sabe estar condenado
A uma ida sem regresso
Quero ser amotinado
Nesta viagem terminal
Quero ser o timoneiro
Deste barco deste veleiro
Que se despedace em Baal
E não me levem a mal

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Cinema Quarteto


I

Rastos de pessoas que vivi
Ao cair dos dias
Cinema em fim de tarde, já percebeste?
Ou então se querias
Sexo ao princípio da noite
Até as aparências nos chamarem
Também se compreende, não é?
Vou ao cinema como se o tempo não tivesse passado
Dou comigo a conversar sozinho desta vez
Mas distingo veladamente os teus passos
Diferentes dos meus e portanto
São os teus passos
Que os davas
Tão discretamente como se sobrevoasses
Os acontecimentos e às vezes
Até a própria vida - se morresses...

II

Se morresses não gostaria de saber
Nem que soubesses de mim por esse acaso
Prefiro ficar à espera de notícias todos os dez anos
Os meninos já estarão crescidos
Até se podem encontrar como se nada fosse
Sem saberem que pelo direito de um amor paixão
Poderiam ser um só, pois não
Se te encontrasse
Seria para recitar um verso amargo
E beber-te de um só trago
À lúcida memória que aqui jaz
Ainda a tua língua palpitante
Sabor que sempre volta
Quando os cabelos soltos se espraiam na areia do Guincho
Onde nunca fomos
O nosso género era mais as matas das Maçãs
Tardes pagãs – depois quase morri

III
Depois quase morri às mãos das mentiras
Engendradas com impaciência
E a natureza imberbe que tudo leva à sua frente
Aposto que estás diferente
E eu bem obrigado
Abraçando embora outros corpos
Onde tu não vives
Só uma vez te espalhaste por uma cama
Feita incenso ou aloé vera
E me deixaste exangue
Suspenso de novo à tua espera

IV

A história acaba aqui
Enquanto aquela veia ainda vibra
Era bonita essa veia
Que beijavas repetidamente

V

Oh! está diferente
Já não pulsa como antigamente...