segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Declaração em nome dos mortais

Depois de algumas investigações

Nada parecidas com as policiais

Estou apto a fazer declarações

Que as faço em nome dos mortais

E por isso sem pejo nem hesitações

A vida é o sopro que agita o animal

Para que um ser esteja vivo

Isto é que tenha veemência e sal

É preciso que o coração bata e se repita

E que a repetição se faça para o bem e para o mal

Portanto não é no bater mecânico do coração

Que se define se tudo está conforme

Viver então começa por ser fome

Um grito de chamamento que ecoa

Pelas sombras

Ou até pelos corredores de um hospital

Depois vem da palpitação a consciência

E do bem e do mal a apetência

A fome de comida tudo justifica

Como aos animais

Mas o homem que eu concebo

Quer sempre mais

Na cabeça está alojado o infinito

Que às vezes se liberta sem saber

Gerando um frémito inaudito

De desejo de fazer e de prazer

E o dono destas ondas bem reais

Pode por vezes ganhar a liberdade

E sem controlo a mente não se esgota

Explode em grandezas sem cidade

E dum pequeno barco faz a frota

Com que vai querer arribar ao porto alto

Sempre mais alto que o porto que ontem foi

Como se o homem qual deus incauto

Não tivesse limites ou não os conhecesse

E portanto no infinito projectado

Só pode acabar ensimesmado

A dizer talvez num canto do universo

"Este desejo que vivo e que almejo

Não está finalmente ao meu alcance

Não quero da vida este relance

Nem viver como o comum dos mortais"

Partir é então o fatídico desígnio

Talvez na esperança que casa com a ignorância

De na poeira onde não reconhece identidade

Ter enfim garantida a eternidade

Como parar então esta amargura

Este anseio esta forma esta demissão

Porque todas as palavras conseguidas

Que se profiram com amabilidade ou com secura

Podem não ter a força e o lastro suficiente

Basta porém na mente

Manter-se impunemente

Esse desejo vital de fazer quase inconsciente

E nada mesmo nada

Conseguirá fazer-lhe frente

Talvez também

E é esse o meu anseio

Descendo da poesia

Caldeado com o prazer da maresia

Um braço caído sem força momentaneamente

Possa remeter em causa esta agonia

Sonhar de novo como se vivia antigamente

Quando a vida corria e se olhava cada presente

Como o bom que a vida conseguia

E o braço já não dormente se mova e diga

Que quer ser de novo da acção o leme

E da vida o símbolo que nunca treme

Aqui o momento geme

E a árvore se agita

E o homem renasce

Na sua bela desdita

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